sábado, 12 de setembro de 2009

O Tempo e o Espaço no Mundo Espiritual

O Tempo

Buscando o conceito geral da palavra tempo, encontrada no Dicionário Aurélio, podemos dizer que tempo é uma sucessão de anos, dias e horas e que envolvem a noção de presente, passado e futuro.

Mas o tempo não é algo material, não é físico, apesar de se basear em convensões físicas. Se a teoria da relatividade a duração de um evento é relativa ao referencial inercial em que se encontra o observador, por exemplo se o indivíduo está em movimento em relação a um evento, a duração deste evento será diferente de outro indivíduo que o observa parado.

Além disto a percepção de duração é relativa também ao estado do observador. Fisiologicamente, a incerteza de um julgamento temporal aumenta com a duração do intervalo julgado. Isto parece ter origem na lei de Weber (proposta por Ernst Weber, em 1831), segundo o qual para percebermos que um dado estímulo sensorial sofreu variação, o acréscimo (ou decréscimo) mínimo necessário deve ser proporcional à magnitude inicial do estímulo original.

Todos nós também já experimentamos a sensação de o tempo "voar", quando estamos em lugares ou situações agradáveis, ou de se "arrastar", nos momentos em que esperamos com ansiedade algo acontecer. Novamente, parece ser a atenção que prestamos à sucessão de eventos em curso o fator determinante de nossa experiência temporal. Vários estudos demonstram que a duração de um estímulo sensorial, tal como percebida por um observador, é fortemente influenciada pela atenção que ele dispensa ao estímulo.

Se no mundo espiritual o pensamento é tudo, como dizem, a noção de tempo é semelhante e amplificada, pois a duração de um evento espiritual é influenciada pela atenção dispensada ao evento.

Para Kardec no livro A Gênese, o tempo não é senão a relação das coisas transitórias, e portanto, unicamente de coisas que se medem, é uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; já a eternidade, do ponto de vista de sua duração, não pode ser medida, não tem começo nem fim, tudo é o presente.

Se formos assistir ao filme onde um homem nasce com um corpo que convencionamos chamar de velho e morre com ele novo, sabemos que o tempo está invertido. Isto ocorre porque ligamos a imagem do corpo ao tempo percorrido. Muitas pessoas tem uma surpreendente noção do tempo percorrido quando se olham no espelho.

Quando Kardec diz, no item 14 do Código Penal da Vida Futura, do livro O Céu e o Inferno, que a duração de um castigo que está subordinado ao melhoramento do espírito, diz que aquele que não melhora, não se arrepende continua sofrendo sempre e seu castigo lhe parece eterno. Como no mundo espiritual não existe uma sequência de eventos que possa ser medida, o espírito que sofre mantém toda a sua atenção voltada ao seu sofrimento e tem a percepção de que o tempo parou e nunca terá fim. Se considerarmos que no mundo espiritual tudo depende da capacidade evolutiva do espírito, a percepção da eternidade das penas é maior nos espíritos inferiores e menor nos espíritos superiores.

Muitas vezes vemos em reuniões mediúnicas espíritos que acreditam estar ainda naquele tempo em que viviam encarnados, porque a sua atenção e seu pensamento mantém uma imagem quase estática no sentido temporal e isto faz com que o indivíduo acredite estar vivo, pois seu aparente corpo não envelhece, as lembranças de que recorda são sempre as mesmas.

O Espaço

De acordo com o Dicionário Aurélio o espaço é a distância entre dois pontos; área ou volume entre limites determinados. Lugar mais ou menos bem definido, que pode ser ocupado por algo ou alguém. Se compreendemos o mundo espiritual eterno e infinito, o compreendemos sem começo nem fim.

Mas e o espaço dentro deste infinito? Pode ser medido, utilizado, criado e destruído? Se considerarmos o Universo como um todo o espaço passível de ser ponderado seria o físico e material, os planetas, estrelas, cometas etc.

O Espírito errante, ou seja, aquele que habita o mundo espiritual não se encontra num espaço delimitado. Porém como afirmam os Espíritos na questão 234 do O Livro dos Espíritos: "Há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que eles podem habitar temporariamente, espécies de acampamentos, de lugares em que possam repousar de erraticidades muito longas, que são sempre um pouco penosas. São posições intermediárias entre os mundos, graduadas de acordo com a natureza dos Espíritos que podem atingi-las e que nelas gozam de maior ou menor bem-estar."

Então poderíamos dizer que por fim existem os conhecidos Vales de sofrimento, como o vale dos suicidas e até as colônias espirituais como o Nosso Lar entre outras? Sim, se os considerarmos físicos e não espirituais. Isto é explicado na questão 236, onde os Espíritos nos dão as características destes mundos: Não são habitados por seres corpóreos e sua superfície é temporariamente estéril, assim como a Terra já foi durante a sua formação. Esta descrição deixa claro que os mundos transitórios são mundos materiais no qual os espíritos afins se encontram.

Não poderíamos compreender estes vales como a descrição de mundos transitórios habitados espiritualmente por espíritos simpáticos pelo mal ou pela dor? Mesmo quando um espírito desencarnados nos descreve estes locais, vales ou colônias, como próximos à Terra, esta proximidade seria a relação entre tempo e espaço, e sendo a transmissão de pensamento quase imediata e estando o espírito onde está seu pensamento, talvez ainda não possamos compreender a amplitude que pode ter este conceito de proximidade.

Claudia C.

Obras básicas de Allan Kardec

Máscaras do Tempo. artigo publicado na Revista Scientific American Brasil, edição nº 50, de julho de 2006, de Marcus Vinícius C. Baldo, André M. Cravo e Hamilton Haddad Jr.

sábado, 5 de setembro de 2009

SOU RELIGIOSO

 Rubem Alves

Eu sou muito religioso. Por isso trato cuidadosamente de evitar igrejas e cerimônias religiosas: para que meus sentimentos religiosos não sejam perturbados. Minhas experiências passadas com igrejas não têm sido boas. Sempre que vou a igrejas ou participo de cerimônias religiosas minha alma fica irritada. Os porta-vozes de Deus sempre falam demais. Parecem gostar do som da sua voz. Gostaria de uma igreja onde não houvesse sermões: só silêncio, música e poesia. Houve exceções de que não me esqueço. Uma missa na catedral de Cuernavaca, México. Se houve homilia eu nem me lembro.

Lembro-me da dança  todo mundo dançando, ao ritmo da música dos mariachis. Foi alegria pura. Lembro-me também de uma semana que passei num mosteiro da Suíça onde se cultivava o silêncio. Três vezes ao dia, às seis da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde havia uma meia hora litúrgica onde nada era dito. Apenas o silêncio, as velas, a contemplação dos ícones de Cristo. Foi beleza. Deve ter havido outras ocasiões. Mas não estou me lembrando delas no momento.

Quando me perguntam eu deveria dizer que não sou religioso. Dizendo-me religioso os outros logo pensam que sou adepto de alguma religião. Eles imaginam que as religiões e as igrejas são semelhantes aos supermercados, lugares onde a gente vai se abastecer de mercadorias sagradas. Para eles, ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas ou pertencer a religiões seria o mesmo que dizer que me abasteço de verduras, frutas, legumes, carnes, leite, cereais sem fazer compras.

Daí não entenderem que eu possa ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas. De fato, eu não pertenço a grupo religioso algum. Meus sentimentos nada têm a ver com igrejas e rituais religiosos. Talvez eu devesse simplesmente dizer que sou místico sem religião. Se os religiosos disserem que isso não é possível, que é preciso ter uma religião, eu lhes direi que não há indicações de que Deus tenha concordado em se tornar numa mercadoria a ser distribuída com exclusividade pelos seus supermercados religiosos. Deus é livre como o Vento  pelo menos foi isso que Jesus disse. Claro que há religiões que dizem que o Vento só pode ser obtido engarrafado. Elas se acreditam como distribuidoras de Vento engarrafado. Uma religião que afirme que o sagrado é um monopólio seu está dizendo que ela conseguiu engarrafar o Vento, que ela conseguiu por o Vento sob seu controle. E isso é idolatria. Os teólogos medievais sabiam que o finito não pode conter o infinito.

A minha experiência com o sagrado vem sempre fora de lugares religiosos, diante do mistério da noite estrelada, de uma teia de aranha, de uma árvore florida, da ternura do amor, do riso de uma criança, da frescura dos riachos, da graça do vôo dos urubus, da alegria do cachorro que me recebe. Essas coisas que me dão alegria e que, por isso mesmo, são para mim sagradas, eu nunca as encontrei nas igrejas. Sagrado, para mim, é aquilo que meu coração deseja que seja eterno. O sagrado é a realização do amor. Meu misticismo, assim, nada me diz sobre seres de um outro mundo. Ele não me informa sobre deuses, céus, infernos, pecados, demônios e anjos. Meu misticismo não aumenta o meu conhecimento sobre o universo. Meu misticismo não é um substituto para a ciência.

Meu misticismo, também, não me dá conselhos morais. Não ordena que eu seja bom. Não me manda ajudar os pobres. Não me manda lutar pela justiça. Não é preciso ser místico para ser bom, para amar os pobres, para lutar pela justiça. Acho vergonhoso ser bom, amar os pobres e lutar pela justiça porque Jesus manda. Então é porque ele manda? Se não mandasse a gente não faria? Se Deus não mandasse e não ameaçasse não seríamos bons? Se assim é, então somos bons, amamos os pobres e lutamos pela justiça porque temos medo. Mas tudo o que brota do medo é o oposto do sagrado. O amor lança fora o medo.

Meu misticismo nem me dá conhecimentos de um outro mundo e nem me dá ordens morais. Ele é um sentimento  ou como se fosse uma música que ouço dentro de mim. Schleiermacher, um teólogo romântico do fim do século 18, dizia que o sentimento religioso é o sentimento de "dependência absoluta" diante do universo. Eu não existo em mim mesmo. Eu existo somente em relação a uma coisa enorme, gigantesca, fantástica, coisa que não compreendo, mas que me envolve, na qual eu nasço e para a qual voltarei um dia.

Sou uma nota numa sinfonia com milhares de notas, uma folha num jequitibá com milhares de folhas, uma única gota num mar com gotas sem fim. De um lado eu me descubro infinitamente pequeno. De outro lado eu me descubro imensamente grande: estou ligado tudo. Sou tão grande quanto o universo, que se transforma então no meu grande corpo.

Alguns dão o nome de Deus a esse Grande Corpo no qual todas as coisas existem. Gosto dessa idéia. Aconteceu faz muito tempo, quando ouvir o rádio exigia paciência e atenção. Havia a barulheira constante da eletricidade estática que era ouvida ora como pipocas estourando numa panela, ora como uma série de intermináveis assobios. Eu me lembro. Era noite. Já estava na cama. Luz apagada. Gostava de dormir com música. Rádio Ministério da Educação: havia sempre músicas do meu gosto. De repente, no meio dos estouros e assobios da estática, uma música linda que mal se podia ouvir. Mas, em meio aos ruídos sem sentido da estática, o meu ouvido percebia a beleza que mal se ouvia, perdida no meio da estática.

Aí eu pensei que o sentimento religioso é assim mesmo: em meio à barulheira da vida, a gente ouve uma melodia. Há um lindo texto de Nietzsche em que ele descreve precisamente essa experiência  ele fala de uma melodia de beleza indescritível que repentinamente começou a ouvir dentro da sua alma, beleza tão grande que ele começou a chorar. Nietzsche era uma dessas pessoas possuídas por um profundo sentimento místico e que, precisamente por causa dele, tinha de ficar longe de todas as religiões. As igrejas o horrorizavam.

Dizia que elas mais se pareciam com sepulcros de Deus. E tinha horror das músicas que ali se cantavam, que ele comparava ao coro de rãs dentro de um charco. Sim. Sou religioso. O universo é o meu templo. O ruído dos regatos, o barulho do vento nas folhas dos eucaliptos, o perfume do jasmim, as cores do crepúsculo, as experiências de arte e de brinquedo são, todos, para mim, sacramentos  fugazes experiências do sagrado. Deus nunca foi visto por ninguém. Mas sempre que tenho uma efêmera experiência de beleza e da amor é como se eu tivesse visto, num breve segundo, uma cintilação do sagrado.

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