REVISTA ESPÍRITA 1869
Têem sido vistos, com freqüência, Espíritos que se acreditam ainda vivos, porque seu corpo fluídico lhes parece tangível como seu corpo material; eis um deles numa posição pouco comum: tudo em não se crendo morto, tinha consciência de sua intangibilidade; mas como quando vivo era profundamente materialista, de crença e de gênero de vida, ele crê que sonha, e tudo o que se lhe disse não pôde tirá-lo de seu erro, tanto está persuadido de que tudo acaba com o corpo. Era um homem de muito espírito, escritor distinto, que designaremos sob o nome de Louis. Ele fazia parte da multidão dos notáveis que partiram no mês de dezembro último para o mundo dos Espíritos. Há alguns anos, ele veio à nossa casa, onde foi testemunha de diversos fatos de mediunidade; notadamente ele ali viu um sonâmbulo que lhe deu provas evidentes de lucidez, para coisas que lhe eram todas pessoais, mas com isto não foi mais convencido da existência de um princípio espiritual.
"Numa sessão do grupo do Sr. Desliens, em 22 de dezembro, ele veio espontaneamente se comunicar por um dos médiuns, o Sr. Leymarie, sem que ninguém pensasse nele. Ele tinha morrido há oito dias. Eis o que fez escrever: "Que sonho singular!... Eu me sinto arrastado por um turbilhão do qual não compreendo a direção.... Alguns amigos que eu acreditava mortos, convidaram-me para um passeio, e eis-nos transportados. Onde vamos nós?... Olha! Estranho gracejo! Num grupo espírita!...Ah! O falso gracejo, de ver essas pessoas conscienciosamente reunidas!... Conheço uma dessas figuras.... Onde já a vi? Eu não sei.... (Era o Sr. Desliens que se achava na sessão mencionada mais acima). Talvez na casa desse bravo homem Allan Kardec, que quis uma vez me provar que eu tinha uma alma, em me fazendo apalpar a imortalidade. Mas em vão se fez chamado aos Espíritos, às almas, tudo faltou; como nesses jantares muito cozidos, todos os pratos servidos foram mal sucedidos, e muito mal. Eu não supunha, no entanto, a boa fé do grande sacerdote; eu o acreditava um homem honesto, mas um orgulhoso pateta dos Espíritos da suposta erraticidade.
"Eu vos ouvi, senhores e senhoras, eu vos apresento meus respeitos obsequiosos. Vós escreveis, isto me parece, e vossas mãos ágeis vão, sem dúvida, transcrever o pensamento dos invisíveis!... espetáculo inocente!...sonho insensato que eu faço aqui! Eis um deles que escreve o que digo a mim mesmo.... Mas não estais se divertindo de tudo, nem meus amigos não mais, que têm rostos compassivos como os vossos. (Os Espíritos daqueles que morreram antes dele, e que ele acreditava ver em sonho.)
"Oh! certamente! é uma mania estranha deste valente povo francês! Subtraíram-lhe tudo ao mesmo tempo a instrução, a lei, o direito, a liberdade de pensar e de escrever, e ele se lança, esse bravo povo, nas utopias e nos sonhos. Ele dorme todo desperto, este país dos Gauleses, e é maravilha vê-lo agir!
"Ei-los, no entanto, à procura de um problema insolúvel, condenado pela ciência, pelos pensadores, pelos trabalhadores!... falta-lhes instrução... a ignorância é a lei de Loyola largamente aplicada... Eles têm diante deles todas as liberdades; podem chegar a todos os abusos, destruí-los, tornar-se seu senhor, enfim, senhor viril, econômico, sério, legal, e, como todas as crianças de cueiros, é-lhes preciso uma religião, um papa, um cura, a primeira comunhão, o batismo, a andadeira em tudo e sempre. A essas crianças grandes, são-lhes necessários os brinquedos, e os grupos espíritas ou espiritualista lhos dão.
"Ah! se verdadeiramente houvesse um grão de verdade em vossas elucubrações, mas haveria, para um materialista, matéria para o suicídio!...Olhai! vivi por muito tempo amplamente; desprezei a carne, revoltei-a; ri dos deveres de família, de amizade. Apaixonado, usei e abusei de todas as volúpias, e isto com a convicção de que obedecia às atrações da matéria, única lei verdadeira sobre vossa Terra, e isto, eu o renovarei em meu despertar, com a mesma fúria, o mesmo ardor, o mesmo jeito. Eu tomava ao meu amigo, a um vizinho, sua mulher, sua filha ou sua pupila, pouco importa, contanto que, estando mergulhado nas delícias da matéria, rendo homenagem a esta divindade, senhora de todas as ações humanas.
"Mas, se eu me enganei?... se deixei passar a verdade?... se, verdadeiramente, havia outras vidas anteriores e existências sucessivas depois da morte?... se o Espírito era uma personalidade viva, eterna, progressiva, rindo-se da morte, se retemperando naquilo que chamamos a prova?... então haveria um Deus de justiça e de bondade?... eu seria um miserável.... e a escola materialista, culpada do crime lesa-nação, teria procurado decapitar a verdade, a razão!... eu seria, ou antes nós seríamos profundos celerados, refinados supostos liberais!.... Oh! então, se estais na verdade, eu queimaria o cérebro ao despertar, tão verdadeiro eu me chamo...."
Na sessão da Sociedade de Paris, de 8 de janeiro, o mesmo Espírito veio se manifestar de novo, não pela escrita, mas pela palavra, em se servindo do corpo do Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo. Ele falou durante uma hora, e isso foi uma cena das mais curiosas, porque o médium tomou a sua pose, seus gestos, sua voz, sua linguagem ao ponto que aqueles que o tinham visto o reconheceram sem dificuldade. A conversação foi recolhida com cuidado e fielmente reproduzida, mas a sua extensão não nos permite publicá-la. Aliás, isso não foi senão o desenvolvimento de sua tese; a todas as objeções e a todas as questões que lhe oram feitas, pretendia tudo explicar pelo estado de sonho, e, naturalmente, se perdeu num dédalo de sofismas. Ele mesmo lembrou os principais episódios da sessão da qual tinha feito alusão em sua comunicação escrita, e disse: "Eu tinha muita razão em dizer que tudo havia faltado. Olhai, eis aqui a sua prova. Eu tinha colocado esta pergunta: Há um Deus? Pois bem! todos os vossos pretensos Espíritos responderam afirmativamente. Vedes que estavam ao lado da verdade, e que dela não sã bem mais do que vós. Uma questão, no entanto, embaraça-o muito, também procura constantemente escapatórias para evitá-los; foi esta: "O corpo pelo qual falais não é o vosso, porque é magro, e o vosso era gordo. Onde está o vosso verdadeiro corpo? Ele não está aqui, porque não estais em nossa casa. Quando se sonha se está na cama; ide, pois, verem vossa cama se o vosso corpo ali está, e dizei-nos como ocorre que podeis estar aqui sem o vosso corpo!"
Encolerizado por essas perguntas reiteradas, às quais não respondia senão por estas palavras: "Efeitos bizarros dos sonhos," ele acaba por dizer: "Vejo bem que me queríeis despertar; deixai-me." Desde então ele acredita sempre sonhar.
Numa outra reunião, um Espírito deu sobre este fenômeno a comunicação seguinte: Há aqui, uma substituição de pessoa, uma simulação. O Espírito encarnado recebe a liberdade ou cai na inação. Digo inércia, quer dizer, a contemplação daquilo que se passa. Ele está na posição de um homem que empresta momentaneamente a sua habitação, e que assiste às diferentes cenas que se realizam com a ajuda de seus móveis. Se gosta mais de gozar da sua liberdade, ele o pode, a menos que não haja para ele utilidade em permanecer espectador.
Não é raro que um Espírito atue e fale com o corpo de um outro; deveis compreendera possibilidade deste fenômeno, então que sabeis que o Espírito pode se retirar com o seu perispírito mais ou menos longe de seu envoltório corpóreo. Quando esse fato ocorre sem que nenhum Espírito disto se aproveite para ocupar o lugar, há a catalepsia. Quando um Espírito deseja para ali se colocar para agir, toma um instante a sua parte da encarnação, une o seu perispírito ao corpo adormecido, desperta-o por esse contato e restitui o movimento à máquina; mas os movimentos, a voz não são mais os mesmos, porque os fluidos perispirituais não afetam mais o sistema nervoso do mesmo modo que o verdadeiro ocupante.
Essa ocupação jamais pode ser definitiva; seria preciso, para isto, a desagregação absoluta do primeiro perispírito, o que levaria forçosamente à morte. Ela não pode mesmo ser de longa duração, pela razão de que o novo perispírito, não tendo sido unido a esse corpo desde a sua formação, não tem nele raízes, não estando modelado sobre esse corpo, não está apropriado ao desempenho dos órgãos; o Espírito intruso não está numa posição normal; ele é embaraçado em seus movimentos, e é porque deixa essa veste emprestada desde que dela não tenha mais necessidade.
Quanto à posição particular do Espírito em questão, não veio voluntariamente nesse corpo no qual se serve para falar; foi atraído pelo próprio Espírito de Morin que quis se divertir com seus embaraços; o outro, porque se deu ao secreto desejo de se colocar ainda e sempre em cético e em zombeteiro a aproveitar a ocasião que lhe era oferecida.
O papel um pouco ridículo que desempenhou, por assim dizer apesar dele, recitando sofismas para explicar sua posição, é uma espécie de humilhação da qual sentirá a amargura ao despertar, e que lhe será proveitosa.
Nota. O despertar desse Espírito não pode deixar de dar lugar a observações instrutivas. Quando vivo, era, como se viu, um tipo de materialista sensualista; jamais aceitou o Espiritismo. Os homens dessa categoria procuram as consolações da vida nos gozos materiais; eles não são da escola de Büchner por estudo, mas porque esta doutrina liberta do constrangimento que a espiritualidade impõe, ela deve, segundo eles, estar na verdade. Para eles o Espiritismo não é um benefício, mas um embaraço; não há provas que possam triunfar de sua obstinação; eles as repelem, menos por convicção do que pelo medo de que não seja uma verdade.
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