Paulo da Silva Neto Sobrinho
Uma das frases mais comentadas e polêmicas do Espiritismo, atribuída a Léon Denis, é constantemente repetida no meio espírita, mas um estudo mais detalhado da questão nos mostra outra realidade.
É comum ouvirmos essa frase: "A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem", cuja autoria é atribuída a Léon Denis. Só que, curiosamente, até hoje ninguém nos provou que ele tenha dito exatamente isso. Mas, na busca em que nos empenhamos para encontrá-la, acabamos por nos deparar com a frase verdadeira, vejamo-la:
"Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as leis Eternas" (O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Léon Denis. FEB, 1989, p. 123. Grifo nosso)
Obviamente, mesmo em sentido figurado. dormir na planta não é o mesmo que dormir na pedra, que é o assunto que ainda causa polêmica em nosso meio. Bom, a questão é saber se o sucessor do codificador contrariou aquilo que foi dito por ele. Particularmente, acreditamos que não.
Inicialmente, recorreremos ao que ele, Kardec, disse na Introdução da primeira edição de O Livro dos Espíritos:
"Qualquer que seja, é um fato que não se pode contestar, pois é um resultado de observação, é que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto que essa força existe; que a vida material é comum a todos os seres orgânicos e que ela é independente da inteligência e do pensamento: que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; enfim, que entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e de pensamento, há uma dotada de um senso moral especial que lhe dá incontestável superioridade sobre as outras, é a espécie humana".
"Nós chamamos enfim inteligência animal o princípio intelectual comum aos diversos graus nos homens e nos animais, independente do princípio vital, e cuja fonte nos é desconhecida" (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec. IPECE, 2004, p. a 3. FEB, p. 15. Grifo nosso).
Isso foi necessário apenas para verificar que, já na primeira edição desse livro, Kardec, sem meias palavras, disse que "a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas", definindo-as dessa forma:
"Os seres orgânicos são os que têm em si uma fonte de atividade íntima que lhes dá a vida. Nascem, crescem, reproduzem-se por si mesmos e morrem. São providos de órgãos especiais para a execução dos diferentes atos da vida, órgãos esses apropriados às necessidades que a conservação própria lhes impõe. Nessa classe estão compreendidos os homens, os animais e as plantas" (p. 65. Grifo nosso).
ENTÃO, SEGUNDO KARDEC, PODEMOS classificar os seres orgânicos em homens, animais e plantas. Quando, no livro A Gênese, ele estuda o Instinto e a Inteligência (Capítulo 111), faz diversas considerações, nas quais vamos encontrar alguma coisa para dirimir possíveis dúvidas. Diz lá:
"O instinto é a força oculta que solicita os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários, tendo em vista a conservação deles. Nos atos instintivos não há reflexão, nem combinação, nem premeditação. É assim que a planta procura o ar, se volta para a luz, dirige suas raízes para a água e para a terra nutriente; que a flor se abre e fecha alternativamente, conforme se lhe faz necessário; que as plantas trepadeiras se enroscam em torno daquilo que lhes serve de apoio, ou se lhe agarram com as gavinhas. É pelo instinto que os animais são avisados do que lhes convém ou prejudica; que buscam, conforme a estação, os climas propícios; que constroem, sem ensino prévio, com mais ou menos arte, segundo as espécies, leitos macios e abrigos para as suas progênies, armadilhas para apanhar a presa de que se nutrem; que manejam destramente as armas ofensivas e defensivas de que são providos; que os sexos se aproximam; que a mãe choca os filhos e que estes procuram o seio materno. No homem, só em começo da vida o instinto domina com exclusividade; é por instinto que a criança faz os primeiros movimentos, que toma o alimento, que grita para exprimir as suas necessidades, que imita o som da voz, que tenta falar e andar. No próprio adulto, certos atos são instintivos, tais como os movimentos espontâneos para evitar um risco, para fugir a um perigo, para manter o equilíbrio do corpo; tais ainda o piscar das pálpebras para moderar o brilho da luz, o abrir maquinal da boca para respirar, etc." (pp. 64-65. Grifo nosso).
Nessa fala de Kardec fica claro que ele admite o instinto nas plantas, nos animais e nos homens. Mas, "o que tem a ver instinto com inteligência?", poderia alguém nos perguntar. Pois bem, essa dúvida foi respondida pelos Espíritos, que afirmaram que o instinto é uma espécie de inteligência, uma inteligência não racional (resposta à pergunta 73). Um pouco mais à frente, ao comentar a resposta à pergunta 75, o codificador explica:
"O instinto é uma inteligência rudimentar, que difere da inteligência propriamente dita, em que suas manifestações são quase sempre espontâneas, ao passo que as da inteligência resultam de uma combinação e de um ato deliberado".
"O instinto varia em suas manifestações, conforme as espécies e as suas necessidades. Nos seres que têm a consciência e a percepção das coisas exteriores, ele se alia à inteligência, isto é, à vontade e à liberdade" (p. 69. Grifo nosso).
PORTANTO, PELA ORDEM, AS PLANTAS, os animais e os homens possuem o princípio inteligente, variando apenas quanto ao grau de sua manifestação. Entretanto, até agora, não houve nada relacionado aos minerais terem esse princípio, ou que o mesmo tenha, por alguma vez, estagiado em seres inorgânicos. Coisa difícil de entender, já que esses seres não possuem vitalidade; portanto, não estão sujeitos ao "nascer-crescer morrer", ciclo indispensável para que ocorra o progresso intelectual desse princípio.
O esclarecimento a respeito do instinto de conservação vai nos ajudar a clarear mais ainda essa questão. Vejamos em O Livro dos Espíritos:
"702. É lei da Natureza o instinto de conservação?"
"Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em outros".
"703. Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação?"
"Porque todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem".
"728. É lei da Natureza a destruição?"
"Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos".
Voltando ao livro A Gênese, iremos encontrar uma fala de Kardec que, a nosso ver, põe um ponto final sobre como ele via o assunto.
Vejamos quando ele fala da união do princípio espiritual e da matéria, no capítulo XI, item 10:
"Devendo a matéria ser o objeto de trabalho do Espírito, para o desenvolvimento de suas faculdades, era necessário que pudesse atuar sobre ela, por isso veio habitá-Ia, como o lenhador habita a floresta. Devendo ser a matéria, ao mesmo tempo, o objetivo e o instrumento de trabalho, Deus, em lugar de unir o Espírito à pedra rígida, criou, para seu uso, corpos organizados; flexíveis, capazes de receber todos os impulsos de sua vontade, e de se prestar a todos os movimentos".
"O corpo é pois, ao mesmo tempo, o envoltório e o instrumento do Espírito, e à medida que este adquire novas aptidões, ele reveste um envoltório apropriado ao novo gênero de trabalho que deve realizar, como se dá a um obreiro ferramentas menos grosseiras à medida que ele seja capaz de fazer uma obra mais cuidada" (pp. 182-183. Grifo nosso).
PELO QUE PODEMOS DEDUZIR dessa fala, não há como admitir que o princípio inteligente tenha se estagiado nos minerais, a não ser contrariando o que aqui foi dito por Kardec.
Na explicação da resposta à pergunta 71 (LE), o codificador faz a seguinte consideração:
"A inteligência é uma faculdade especial, própria de certas classes de seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de agir, a consciência de sua existência e de sua individualidade, assim como os meios de estabelecer intercâmbio com o mundo exterior e de prover às suas necessidades".
"Podem distinguir-se assim:
1º - os seres inanimados, constituídos de matéria, sem vitalidade nem inteligência, que são os corpos brutos; 2º - os seres animados não pensantes, formados de matéria e dotados de vitalidade, mas desprovidos de inteligência; 3º - os seres animados pensantes, formados de matéria, dotados de vitalidade e tendo a mais um princípio inteligente que lhes dá a faculdade de pensar" (p. 68. Edição da FEB, p. 78).
Classificam-se, portanto, os reinos da natureza em três: o mineral, o vegetal e o animal, conforme essa ordem citada por Kardec. Assim, fica claro, pelo que ele coloca, que o reino mineral não tem vitalidade nem inteligência, o que também se confirma com: "A matéria inerte, que constitui o reino mineral, não tem senão uma força mecânica" (O Livro dos Espíritos. IDE, p. 245). Buscando-¬se também a questão 136a, veremos que a hipótese do princípio inteligente no mineral e de todo improvável, porquanto: "A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica" (idem, p. 91. Grifos nossos).
Conforme descobrimos, essa hipótese está nos livros No Mundo Maior e Evolução em Dois Mundos, da série André Luiz. Não seremos nós quem irá contestar o autor; entretanto, talvez por ousadia, questionamos a seguinte fala dele:
"A crisálida de consciência, que reside no cristal a rolar na corrente do rio, aí se acha em processo, Iibertatório ... " (No Mundo Maior. FEB, p. 45). Como um cristal, que rola no leito de um rio, "morre" para que a crisálida, que possivelmente esteja nele, passe para o estágio evolutivo seguinte? Quando nós usamos esses cristais, incrustando-os nas paredes de nossas casas, a crisálida ficaria ali presa indefinidamente? Devemos proteger os cristais como estamos querendo fazer em relação aos seres vivos dos outros reinos da natureza?
É por essas coisas que temos enorme dificuldade em aceitar tal premissa, que também, se não estivermos enganados, não é aquela que encontramos nas obras da codificação.
Dessa forma nos alinhamos com outros autores, já consagrados no meio espírita, que já responderam à pergunta que dá título a esse nosso texto, com um sonoro não.
Revista Espiritismo & Ciência. Ano 4. nº46.
http://www.panoramaespirita.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=7915
Obrigada Waldir pela indicação deste artigo.
ClaudiaC.
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