segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A Bíblia e o Pensamento Espírita

   Muitos irmãos espíritas não admitem 0 estudo do "Livro dos Livros", em nosso meio doutriná­rio. Contudo, Allan Kardec, em "A Gênese" (Ed. FEB) assim se expressa: "A Bíblia, evidentemen­te, encerra fatos que a razão, desenvolvida pela Ciência, não poderia hoje aceitar e outros que parecem estranhos e derivam de costumes que já não são os nossos. Mas, a par disso, haveria parcialidade em se não reconhecer que ela guarda grandes e belas coisas. A alegoria ocupa ali considerável espaço, ocultando sob o seu véu sublimes verdades, que se patenteiam, desde que se desça ao âmago do pensamento, pois que logo desaparece o absurdo.

   "Por que então não se lhe ergueu mais cedo o véu? De um lado, por falta de luzes que só a Ciência e uma sã filosofia podiam fornecer e, de outro lado por efeito do principio da imutabilidade absoluta da fé, conseqüência de um respeito ultracego a letra, e, assim, pelo temor de comprometer a estrutura das crenças, erguida sobre 0 sentido literal.» (Cap. IV, n* 6, pgs. 87 e 88).
Quanto à segunda parte da Bíblia - 0 Novo Testamento -, ou mais precisamente ao relato dos apóstolos Mateus, Marcos, Lucas e João 0 Codificador enfatiza, também na obra "A Gênese": "0 Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza que revela, tudo quanto 0 Cristo disse e fez- elucida os pontos obscuros do ensino cristão de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do Evangelho ou pareciam inadmissíveis, as compreendem,e admitem sem dificuldade com 0 auxilio desta doutra vêem melhor 0 seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria. Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino " (Cap. I, nº 41, Ed. FEB)
 
   Portanto, a doutrina espírita aceita as escrituras, estudando com imparcialidade e honestidade o seu conteúdo; sem fanatismo e sem a escravidão da letra. Baseados no raciocínio são, na razão, que repudia a fé cega, contrária à ciência e ao progresso, os espíritas sabem que a Bíblia foi escrita e traduzida por homens; portanto sujeita a erros e deslizes. De maneira nenhuma há aceitação da máxima "credo quia absurdum", fazendo de 0 «Livro dos Livros" uma verdadeira idolatria. Como ensinava Allan Kardec, deve-se observar 0 simbolismo e 0 espírito de que estão investidas as letras das Escrituras. Já o exegeta ortodoxo assim não procede e cumpre rigorosamente os ensinamentos que emanam dos textos  considerando-os divinos de capa a capa.
Emmanuel, trabalhador incansável do Cristo, através da psicografia de Francisco Candido Xavier nos diz: «O ato de crer em alguma coisa demanda a necessidade do sentimento e do raciocínio para que a alma edifique a fé em si mesma Admitir as afirmativas mais estranhas, sem um exame minucioso e caminhar para 0 desfiladeiro do absurdo onde os fantasmas dogmáticos conduzem as criaturas a todos os despautérios Mas também interferir nos proble­mas essenciais da vida sem que a razão esteja iluminada pelo sentimento e buscar 0 mesmo declive onde os fantasmas 'impiedosos da nega­ção conduzem as almas a muitos crimes". ("0 Consolador    ed   FEB   pág   201   6ª edição)

   Ainda hoje os admiradores não racionais da Bíblia aceitam a criação do mundo em seis dias de vinte e quatro horas. Acreditam que o Universo foi criado há seis mil anos discordando inteiramente da Ciência Interpretando contra a verdade a parábola do Gênesis negam a teoria da evolução e tacham-na de "demoníaca", apesar do grande desenvolvimento cultural e cientifico de nosso tempo revelar sua existência. Louvemos I Darwin, injuriado e anatematizado pela Igreja quando buscava a verdade através da razão! Embora a Astronomia nos revele a grandiosidade do Cosmos, com seu oceano de bilhões de galáxias continuam os conhecedores profundos de 0 "Livro dos Livros" a afirmar que a vida só existe na Terra, não entendendo 0 Cristo quando declarou: "Na casa de meu Pai ha muitas mo­radas..." (João 14:2). Realmente a casa do Pai é o Universo, e a vida não poderia ser criada somente em um minúsculo orbe do insignificante Sistema Solar, situado na borda exterior da grande Via - Láctea e iluminado por uma estrela de quinta grandeza, ofuscada por aproximadamente cem bilhões de outras, somente em nossa galáxia.
Tudo isso e negado com base na crença absoluta de livros que, embora inspirados, foram manipulados pelos homens nas suas diversas copias e traduções. 0 próprio São Jerônimo afirmou que fez correções, aumentos e modifi­cações em sua tradução dos manuscritos antigos. Os protestantes excluíram vários livros das Es­crituras, como 0 de Macabeus. A Bíblia protes­tante não traz 0 capitulo XIII de Daniel e a tradução de um exegeta não e a mesma de outro.

   A Bíblia sofreu muitos retoques e retificações.
   "A 'Enciclopédia das Ciências Religiosas', de F. Lichtenberger, relata a afirmação de A. Sabatier, decano da Faculdade de Teologia Protestante de Paris que os manuscritos originais dos Evange­lhos desapareceram, sem deixar nenhum vestígio certo na Hist6ria. Foram provavelmente destruídos por ocasião da proscrição geral dos livros cristãos, ordenada pelo imperador Deocleciano (edito imperial de 303). Os escritos sagrados que escaparam a destruição não são, por conseguin­te, senão cópias.

   "Primitivamente, não tinham pontuação esses escritos, mas, em tempo, foram divididos em pericopes, para comodidade da leitura em publi­co - divisões às vezes arbitrarias e diferentes entre si. A divisão atual apareceu pela primeira vez na edição de 1551.
"Apesar de todos os seus esforços, 0 que a critica pode cientificamente estabelecer de mais antigo foram os textos dos séculos V e IV. Não pode remontar mais longe senão por conjeturas sempre sujeitas a discussão.

   "Orígenes já se queixava amargamente do estado dos manuscritos no seu tempo. lrineu refere que populações inteiras acreditavam em Jesus sem a intervenção do papel e da tinta Não se escreveu imediatamente, porque era esperada a volta do Cristo. ("Cristianismo e Espiritismo" Léon Denis, 6* edição, pgs 270 e 271   Ed FEB)
 

-Depois da proclamação da divindade do Cristo, no século IV, depois da introdução, no sistema eclesiástico, do dogma da Trindade, no século VII, muitas passagens do Novo Testamen­to foram modificadas, a fim de que exprimissem as novas doutrinas (Ver João 1:5 e 7). Vimos, diz Leblois (145), na Biblioteca Nacional,, na de Santa Genoveva, na do mosteiro de Saint-Gall, manus­critos em que 0 dogma da Trindade está apenas acrescentado a margem. Mais tarde foi interca­lado no texto onde se encontra ainda". (Leon Denis - Cristianismo e Espiritismo, pág. 272)

 

   A referencia citada acima trata-se sem dúvidas de um enxerto e a Bíblia edição revista e atualizada tradução de João Ferreira de Almeida, da Sociedade Bíblica do Brasil 1969 0 coloca em colchetes 0 que não se,vê nas edições antigas da Imprensa Bíblica Brasileira e nem na «Bíblia de Jerusalém" das Edições Paulinas O texto por si só é bem  expressivo em relação à inserção  realizada pelos religiosos dogmáticos" Pois há três que dão testemunho [no céu- o Pai, a palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na Terra]: o Espírito, a água e o sangue... (1ª Epístola de João, capítulo 5, versículo 7). 

               

Já em outro texto (Mateus 28.19), marcadamente adulterado, nem colchetes são encontrados: "Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto fazei discípulos em todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". (Os grifos são do autor)

 

E estranho que 0 rito do batismo não foi praticado pelo Mestre, conforme ensino enfático de João: "Jesus mesmo não batizava, e, sim, os Seus discípulos" (capitulo 4, versículo 2). Outrossim, desde que começou 0 ministério do Cristo na Galileia não se ouviu mais falar em batismo, a não ser 0 que foi ventilado, após Sua "ressur­reição", no texto evidentemente apócrifo, citado acima (Mateus 28:19).

 

Os apóstolos mantiveram 0 ritual do batismo, simbolizando uma pratica original desde os tem­pos de Moises (Êxodo 19:10); embora, na maio­ria dos casos, segundo relato do Evangelho, era seguida do "derramamento do Espírito Santo", isto e, do intercâmbio mediúnico com os envia­dos espirituais do Mestre (ver capitulo III - "O Mestre dos Mestres" e capitulo IV - "O Espírito Santo»). Na realidade, 0 batismo emblemático de João Batista, no rio Jordão, correspondente a remissão dos pecados (Marcos 1:4), deixou de existir com 0 advento de Jesus. Disse 0 Tesbita: «Eu, na verdade, vos batizo com água para 0 arrependimento; mas aquele que ha de vir depois de mim, e mais poderoso do que eu e não sou digno de levar-lhe as sandálias. Ele vos

batizará com 0 Espírito Santo e com fogo (Mateus. 3:11). Não mais o culto externo, o cerimonial ritualístico, a mera formalidade. Nesse sentido, à cata do sinal exterior, muitos fariseus e saduceus foram ao batismo de João Batista e o Precursor os rechaçou, exortando-os primeiro ao arrependimento de seus erros, a viverem uma nova vida com honestidade e sinceridade, reu­nindo a mascara da hipocrisia e do preconceito. Aqueles que desejam seguir em verdade as palavras do Cristo serão sempre agraciados com a presença do Consolador prometido por Jesus ou "Espírito Santo" que corresponde a comu­nhão com as entidades espirituais mensageiras do Mestre: "Não vos deixareis órfãos" (João 14:18) "Eu rogarei ao Pai e ele vos dará outro Consolador a fim de que esteja sempre convosco" (João 1416) «O Consolador ou Espírito Santo a quem o Pai enviara em meu nome, esse vos ensinara todas as cousas e vos fará lembrar de tudo 0 que vos tenho dito" (João 14-26). "O Consolador não falará por si mesmo mais dirá tudo que tiver ouvido e vos anunciará as cousas que hão de vir" (João 16:13)

 

   Já ser batizado com fogo e possuir a razão, principalmente discernimento das coisas espirituais. Fogo representa purificação pelo calor: libertação das impurezas dos dogmas e dos cultos exteriores; usar o raciocínio e a lógica nas questões espirituais; 0 remorso que induz a criatura a retificação de seus erros; a dor da provação e da expiação, taxadas como "mistério" pelas religiões tradicionais.

 

Se de fato 0 batismo e imprescindível à "salvação" da humanidade, 0 apóstolo João nunca deixaria de omitir 0 chamado batismo de Jesus, realizado pelo Precursor, já que 0 "discípulo amado" sempre acompanhava 0 Mestre. Na verdade o Cristo veio "cumprir toda a justiça" (Mateus 3:15), ou seja, revelar ao Batista e aos seus contemporâneos a presença do Messias e Sua missão grandiosa, através de dois fenômenos mediúnicos marcantes: a materialização ("... descendo como pomba" - Mateus 3:16) e a voz direta ("Este e 0 meu filho amado, em quem me comprazo" - Mateus 3:17).

 

O dogma da Santíssima Trindade, imposto pelo clero aos cristãos no ano 325 D.C , no século IV depois do advento de Jesus, não tem alicerce bíblico: "0 Consolador não falará por si mesmo, mas dirá tudo 0 que tiver ouvido" (João 16:13). Representa, portanto, um conjunto de Espíritos, de elevada hierarquia, arautos de Deus e do Mestre. De forma nenhuma 0 próprio Criador: "Não falara por si mesmo.. Quanto a deificação de Jesus, tão bravamente combatida pelo sacerdote de Alexandria, Ário, pedimos ao leitor que busque 0 capitulo V desta obra.


Do livro Razão e Dogma, de Américo D. Nunes Filho

 

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