domingo, 8 de fevereiro de 2009

ESTUDOS E PESQUISAS

Os espíritas em geral consideram que o caminho de continuidade do Espiritismo e dos próprios centros está nas atividades de estudos e pesquisas. Apesar disso elas ainda buscam seu lugar ao sol, pois faltam medidas objetivas. Neste capítulo estudo essas atividades e suas perspectivas.

A BASE DO CENTRO

Os estudos e as pesquisas são o sustentáculo do centro cujo modelo propus no capítulo 1. As diversas atividades
do centro são embasadas e orientadas por eles. As pessoas tomam contato com o Espiritismo, criam, desenvolvem e substituem atividades baseadas neles. No entanto, isso não tem sido verdade na grande maioria dos nossos centros reais, por razões culturais diversas.

Embora reconhecida como fundamental por dirigentes e freqüentadores de todas as casas, poucas vezes se encontra um centro espírita em que as atividades de estudos e pesquisas sejam colocadas como as mais importantes. Muitas vezes a necessidade salvadora de “praticar a caridade” (dar roupas e alimentos, dar passes, atender pessoas e espíritos) substitui o peso do conhecimento espírita, que daria certamente uma grande contribuição para libertar as pessoas de seus maiores problemas existenciais.

Allan KARDEC chegou a propor uma estrutura para as reuniões, baseado na experiência da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Nota-se a preocupação básica com estudos e pesquisas:

"Os trabalhos de cada sessão podem regular-se conforme se segue:

1a Leitura das comunicações espíritas recebidas na sessão anterior, depois de passadas a limpo.

2a Relatórios diversos. - Correspondência. - Leitura das comunicações obtidas fora das sessões. - Narrativa de fatos que interessem ao Espiritismo.

3a Matéria de estudo. - Ditados espontâneos. - Questões diversas e problemas morais propostos aos Espíritos. - Evocações.

4a Conferência.-Exame crítico e analítico das diversas comunicações. - Discussão sobre diferentes pontos da ciência espírita."(84)

A proposta de KARDEC sugere que:

(1) estudos e pesquisas são as atividades básicas da sociedade,

(2) o nosso principal objeto de estudo é a mediunidade,

(3) podemos utilizar as próprias comunicações obtidas na casa como instrumentos de aprendizado e pesquisa.

Para os grupos que não possuíssem médiuns, KARDEC propôs também que realizassem estudos diversos.(85)

Em relação à pesquisa, em particular, é necessário, antes de tudo uma desmistificação da palavra. Denomino pesquisa a todas as atividades do centro que envolvam um trabalho de elaboração humano.86 Assim sendo, a mais simples reunião mediúnica pode realizar pesquisa, bastando para isso que adote uma metodologia de trabalho e um conjunto de técnicas para aplicá-la, sempre na busca de conhecer algo mais.

O maior exemplo que tivemos neste sentido veio do próprio KARDEC. As diversas obras da codificação apresentam exemplos da postura de KARDEC em relação à pesquisa mediúnica. Para ele era muito clara a diferença entre o seu papel e dos espíritos: ele era o pesquisador, enquanto os espíritos, médiuns e fenômenos eram objetos de pesquisa.Cabia a ele planejar, conduzir e avaliar continuamente os resultados da pesquisa (este era o trabalho de elaboração humano, necessário em qualquer pesquisa).

A título de ilustração, escolho um caso relatado em O livro dos médiuns, que ilustram com muita clareza a sua
forma de trabalhar: numa pesquisa sobre o laboratório do mundo invisível, em que entrevista o espírito São Luís, KARDEC conduz passo a passo a discussão e não se submete com facilidade às explicações dadas pelo espírito para a aparição de objetos. KARDEC considerava, antes da argüição, que essas aparições se explicavam pela existência de um duplo etéreo no mundo invisível, da mesma forma que os homens são nele representados pelos espíritos. Quando São Luís dá uma explicação diferente, dizendo que os próprios
espíritos podem concentrar elementos da atmosfera e dar-lhes uma aparência, KARDEC ainda volta à questão, para obter uma confirmação de São Luís. Este chega a responder de forma lacônica: “Parece-me que a minha resposta precedente resolve a questão”, mas não há cons-trangimentos: tanto um quanto outro conhecia o seu próprio papel no jogo da busca de conhecimento.(87)

Este simples exemplo mostra que pesquisar depende mais de uma postura de observação e crítica do que de
títulos acadêmicos: na maioria dos grupos espíritas modernos uma manifestação de São Luís (ou de um espírito elevado qualquer) causaria tanta admiração que suas palavras seriam absorvidas sem qualquer análise ou questionamento.Por causa dessa postura não se evocam os espíritos, não se fazem perguntas objetivas sobre assuntos de interesse da ciência, não se registram, avaliam e divulgam os resultados.

Uma estrutura baseada em estudos e pesquisas traz problemas a serem enfrentados. O primeiro se refere à
necessidade de restrições à freqüência e à integração de novos participantes.88 São atividades que exigem intensa participação das pessoas, assiduidade e amadurecimento dos grupos de trabalho. Se pessoas novas e inexperientes entram e saem de um grupo continuamente, é muito difícil fazê-lo progredir e dar uma contribuição real. O processo de integração de novas pessoas necessita de critérios claros que envolvem seu conhecimento prévio de Espiritismo, seus vínculos com o centro e com o grupo de estudo, sua idade, seus interesses etc. O estabelecimento desses critérios só trarão realmente algum problema se forem mantidas as velhas idéias de grandeza do centro e da necessidade de conquistar freqüentadores a qualquer custo.

Os novos participantes se integram aos poucos e recebem recursos para se aperfeiçoarem e se prepararem para atividades mais elaboradas, através de cursos, palestras e seminários. Só não podemos cair na armadilha do catecismo, que estabelece passos rígidos e predeterminados para se atingir algum estágio. O centro espírita possui uma estrutura aberta ao crescimento e à participação. Há pessoas que com pouco tempo mostram-se preparadas para novos desafios: já leram vários livros, compreenderam os pontos fundamentais da doutrina e têm interesse pelo trabalho. Elas não podem ficar enterradas em cursos infindáveis antes de começar a contribuir.

Outro problema se refere à integração de crianças e jovens nas atividades, que numa estrutura moderna, deve ser a maior possível. As crianças e, em menor escala, os jovens, compartilham o mundo com uma visão diferenciada. São preocupações, interesses, formas de abordagem diferentes e que podem receber, por parte do centro espírita, espaço próprio para sua expansão. Qualquer que seja o campo de visão a contribuição do Espiritismo é muito grande, porque toca no que todos temos de mais profundo: nossa capacidade de ser, existir e crescer. É fundamental, no entanto, identificar os pontos comuns e as oportunidades de convivência para aprendizado conjunto. Através de sua participação em atividades integradas os jovens têm contribuído para que os estudos ganhem espaço nos centros. (89)

84 —. Das reuniões e das sociedades espíritas - Das sociedades propriamente ditas. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 346, p. 430-431.

85 Ibid., item 347, p. 431-432.

86 Allan KARDEC. Caracteres da revelação espírita. Em: Allan KARDEC. A gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. I, itens 13-15, p. 15-16.

87 —. Do laboratório do mundo invisível. Em: —. O livro dos médiuns. cap. VIII. p. 156-165.

88 Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 10.

89 Ibid., p. 11.

Centro Espírita: Uma revisão estrutural, Mauro de Mesquita Spinola

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