quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Crianças índigo seriam mais evoluídas espiritualmente?

A visão espírita e a teoria científica das inteligências múltiplas tem tudo a ver. Mas a idéia das
crianças índigo e cristal não fazem sentido.

Quando escrevi pela primeira vez sobre os “índigos”, em fevereiro de 2006 para o site da Fundação Espírita André Luiz *, meu objetivo era levantar alguns pontos de reflexão entre os
espíritas, porque observava um número crescente de questões relacionadas ao tema nos
grupos onde comparecia para dar palestras e seminários.

Muitos pais me procuravam para falar de suas crianças e solucionar dúvidas. Na tentativa de me informar melhor sobre o assunto, já que não é prudente falar de coisas sobre as quais pouco ou nada se sabe, busquei informações e notei, nos materiais pesquisados, diversas e graves incongruências em relação aos conceitos espíritas que me acompanham há mais de vinte anos, incongruências que tornavam a tese das crianças índigo, no mínimo, incompatível com os princípios do Espiritismo.

Apesar disso, temos visto o interesse entre os espíritas aumentar, havendo pouco ou nenhum
critério doutrinário nas afirmações que se ouvem em palestras promovidas por entidades espíritas e que se lêem nos artigos e publicações espíritas referentes aos índigos e, também, às
chamadas “crianças cristal”. Instituições idôneas que patrocinam tais eventos e publicações, e
que associam seus nomes à divulgação da tese dos índigos e cristais, talvez ignorem certos fatos
relevantes.

Até onde nos é dado saber, Nancy Ann Tappe foi a primeira pessoa a identificar e a escrever
sobre as “crianças índigo”, denominação que, segundo ela mesma, refere-se à cor de sua
aura, indicativa de qualidades espirituais bastante diferenciadas das outras crianças.
Tais qualidades seriam devidas à sua missão de colaborar com a presente fase da evolução
de nosso planeta e, por esta razão, estariam reencarnando na Terra a partir da década de
70.

As primeiras comunicações (ou “canalizações”) a respeito da missão dos índigos nos
chegaram a princípio por um único médium, Lee Carroll, nas comunicações de um único espírito,
Kryon. Não houve o que Herculano Pires chamou de uma “invasão organizada” dos Espíritos
elevados, mas o trabalho isolado de um indivíduo que ganhou adeptos e publicidade, o
que explica a multiplicidade de grupos compartilhando atualmente as mesmas idéias. Somente
isto já vai de encontro ao princípio da universalidade dos ensinos dos espíritos, critério que
Kardec recomendou para se avaliar a veracidade do conteúdo de uma mensagem.

Alguém, entretanto, poderia argumentar que não importa muito quem descobriu o fato das
crianças índigo e cristal, quem primeiro trouxe à baila tais idéias, se encontrarmos formas de
justificar tal crença dentro de critérios racionais e lógicos do Espiritismo.

Contudo tal justificação, com o rigor que ela exigiria, não existe. E as características e o
comportamento observados nessas crianças, descritos inclusive na obra dos próprios Carroll
e Tober, os co-autores de “Indigo Children”, estão muito longe de testemunhar algum progresso
espiritual excepcional.

O ponto de vista das inteligências múltiplas Diferente da tese dos índigos e cristais, a teoria
das inteligências múltiplas possui credibilidade científica e conta com mais de vinte anos de
pesquisas sérias.

Na década de 80, Howard Gardner, psicólogo de Harvard, começou a questionar as formas
de avaliar a inteligência como uma capacidade inata, geral e única, dirigida à manipulação de
conceitos lógico-matemáticos e lingüísticos. Ao acompanhar o desempenho profissional de diversas pessoas, o psicólogo se surpreendeu ao verificar que muitos daqueles que alcançaram
sucesso e viviam satisfatoriamente, haviam sido alunos fracos ou medíocres, enquanto aqueles
que haviam sido estudantes aplicados e tirado boas notas nem sempre obtinham semelhante
êxito. Questionando o tipo de avaliação feita nas escolas, ele verificou que elas não incluíam
capacidades que eram essenciais para a realização e a felicidade humanas.

Graças ao desenvolvimento das tecnologias de investigação do cérebro, Gardner provou
que as demais faculdades, desprezadas pela escola, também são produto de processos mentais
e passíveis de se desenvolverem. Concebeu a partir daí uma ampliação no espectro das inteligências para abarcar habilidades musicais, cinestésicas, interpessoais, intrapessoais, lógicomatemáticas, lingüístico-verbais, espaciais**, considerando cada uma delas uma capacidade
em si mesma de resolver problemas e desenvolver produtos significativos numa comunidade
ou ambiente cultural.

O que me chamou a atenção, no primeiro seminário sobre inteligências múltiplas de que
participei, foi a coerência destas idéias com os postulados da Filosofia Espírita.
Por exemplo, foi constatado que todos os seres humanos possuem todos estes tipos de inteligência, o que concorda perfeitamente com a concepção espírita da Lei de Igualdade. O
que cada ser possui, de fato, são diferentes graus de desenvolvimento para cada uma das
inteligências. (Quer dizer que alguns têm maior progresso nas habilidades musicais, enquanto
outros são proficientes em matemática, ou em desenho.) A Doutrina Espírita também nos diz que todos possuímos os germes de todas as faculdades, que apenas aguardam para desabrochar em nós, o que ocorre num processo que obedece à Lei de Evolução.

Voltando à análise do comportamento dos índigos, notamos que eles possuem desenvolvimentos
bastante desiguais dentro do quadro das inteligências múltiplas. Suas características agressivas, a dificuldade de convivência e de compreensão do outro, as suas reações violentas e gestos francamente cruéis, mostram que pouco evoluíram no aspecto interpessoal, embora possam apresentar desempenho surpreendente em outros setores. Os impulsos autodestrutivos com a drogadicão, revelam baixa auto-estima, relacionada a uma inteligência intrapessoal ainda pouco desenvolvida.

O argumento ganha força quando nos lembramos de que toda a doutrina do Cristo, modelo
máximo de evolução moral para o nosso planeta, era voltada ao cultivo de habilidades
intrapessoais e interpessoais: aprender a amar a si mesmo, amar o próximo, perdoar, ser humilde e compreensivo, oferecer ao ofensor a outra face.

O desequilíbrio emocional em muitas dessas crianças mostra o quanto elas ainda têm de caminhar para atingir um alto grau de evolução como Espíritos – aliás, tanto quanto cada um
de nós. Seria preciso desconhecer tais implicações da teoria das inteligências múltiplas, do Cristianismo e do próprio Espiritismo, para aceitar que crianças chamadas “índigo” são espiritualmente superiores a qualquer outra.

* Refere-se ao texto “Crianças índigo: uma simples opinião”, que pode ser acessado em http://www.feal.com.br/colunistas.php?col_id=20 .

** A classificação alterou-se daquela época até hoje,até mesmo pela contribuição de outros pesquisadores.
Mas a concepção original de Gardner ainda persiste.

Rita Foelker

Edição Especial do jornal Mensagem - Crianças Índigo

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